A história por trás do "Eles estão comendo os cachorros"
Desmentir, desmistificar, ridicularizar.
No último debate presidencial nos Estados Unidos, Trump disse que imigrantes estão comendo cães e gatos de estimação em Springfield, Ohio — o que é uma mentira absurda, mas que incendeia sua base xenofóbica mais radicalizada e se torna perigosa. Depois das declarações de Trump, a cidade registrou 33 ameaças de bombas.
Eu não acho que vamos combater os autoritários e extremistas que se beneficiam dessas teorias da conspiração com uma só estratégia. É preciso desmentir o fato, desmistificar a estratégia e ridicularizar o que é ridículo — pra isso também servem os memes, como a direita sabe bem e explora há muito mais tempo que os progressistas.
Trump conseguiu se superar com essa declaração, tanto que mesmo a maioria dos eleitores republicanos achou a declaração bizarra. Foi fácil fazer meme.
Já na tarefa de desconstruir a mentira, quem fez o melhor trabalho foi podcast The Daily, sempre genial em contextualizar a notícia do dia com um roteiro redondíssimo.
Para entender como nasce mentira, é preciso entender o terreno:
Springfield é uma cidade industrial que, em seu auge, era vista como uma mini-Chicago. Só que a terceirização da manufatura para o exterior, a cidade entrou em declínio.
2017 marcou a retomada da indústria em Springfield, com a inauguração de uma fábrica japonesa de peças automotivas, seguida pela instalação de várias outras fábricas na região. Foi quando imigrantes haitianos, a grande com visto legal de trabalho, começaram a chegar em busca de oportunidades.
Nos últimos 4 anos, entre 12 e 20 mil migrantes haitianos se mudaram para Springfield, que antes tinha uma população de mais ou menos 60 mil habitantes. Pro tamanho da cidade, eram muitos.
Um empregador disse ao NYTimes que os haitianos se mostraram trabalhadores pontuais e confiáveis, “que não criam dramas”. Esses imigrantes começaram a prosperar, compraram casas e colocaram seus filhos na escola. A cidade se revitalizou.
Só que…
Escolas precisaram abrir vagas e contratar intérpretes para atender os imigrantes. Os hospitais ficaram mais cheios e as consultas, agora precisando de tradução, começaram a demorar mais, alongando as filas de espera. Os alugueis da cidade subiram com a demanda. E os americanos mais pobres se sentiram prejudicados.
E, então, algo trágico aconteceu.
No primeiro dia de aula na cidade, em agosto passado, uma minivan bateu contra um ônibus escolar. Dezenas de alunos do ensino fundamental se machucaram e um menino de 11 anos morreu. O motorista da minivan era um haitiano de 36 anos.
Esse caso foi o estopim para a eclosão do ressentimento e da xenofobia latente. Em reuniões públicas, as comportas do racismo se abriram. E a extrema-direita viu em Springfield um novo palanque eleitoral. Não precisou muito pra surgirem as teorias da conspiração.
Primeiro, um “influenciador” disse no TikTok que haitianos estavam pegando patos do parque para decapitar e comer. Enquanto isso, no Facebook alguém postou que “a amiga da filha de um vizinho” viu um gato morto pendurado em uma árvore na casa de um haitiano. Ato contínuo, o filho do Trump e o Elon Musk (interditem esse senhor, por favor) tuítam dizendo que haitianos estão comendo animais de estimação em Springfield. E Trump repetiu o absurdo no debate presidencial.
Não é a primeira vez que o Trump tenta desumanizar imigrantes, que ele diz que “não são pessoas, são animais”. O objetivo é abjeto: usar o racismo, a xenofobia e o medo para ganhar votos.
Na conta do Trump tem duas consequências terríveis. Uma é coletiva: haitianos estão sendo ameaçados em Springfield. A outra é íntima, impacta a família de Aiden Clark, o garoto de 11 anos que morreu naquele acidente de ônibus.
O pai dele chegou a dizer que gostaria que o filho tivesse sido morto por um homem branco de 60 anos, e não por um haitiano, porque assim não estariam usando o nome dele para espalhar o ódio. Segundo o pai, Aiden não compactuaria com o que estão fazendo em nome dele. “Para deixar claro, meu filho, Aiden Clark, não foi assassinado. Ele foi acidentalmente morto por um imigrante do Haiti. Essa tragédia é sentida em toda essa comunidade, no estado e até mesmo na Nação”.
Curso: contar histórias.
Nesta segunda-feira, dia 23, tem uma nova turma do meu curso Contar Histórias. Já tive 500 alunos desde que comecei esse curso, nem acredito.
É por Zoom (fica gravado) e eu mostro trabalhos de autores que me inspiram, indico o que ler e COMO ler, falo como pensei e executei alguns trabalhos, como o podcast Retrato Narrado, da Rádio Novelo, o roteiro do documentário Democracia em Vertigem, indicado ao Oscar 2020, a série EXTREMISTAS.BR, na Globoplay, além de roteiros para o GregNews, reportagens para a revista piauí , colunas de opinião para o The New York Times e – como pedem os novos tempos – sobre produção de conteúdo nas redes sociais. 💻🎬📻📝
Inscrição pelo Sympla aqui.
Dúvidas: cursodacarolpires@gmail.com✨