Da ilha de Rihanna, uma primeira-ministra pra ficar de olho
Mottley tornou-se uma grande estrela no cenário mundial quando se trata de mudança climática
Carol Pires
O título de uma reportagem da revista The New Yorker faz a pergunta mais importante da política internacional hoje: como pagar pela justiça climática quando os poluidores têm todo o dinheiro?
Uma mulher negra de uma pequena ilha caribenha tem a resposta. O nome dela é Mia Mottley, a primeira mulher a ocupar o cargo de primeira-ministra de Barbados. Vale a pena acompanhá-la. Apesar de estar à frente de apenas 300 mil cidadãos de uma pequena ilha idílica, ela tem potencial global. Tanto que já está sendo cotada para ser a primeira secretária-Geral da ONU em 2026.
Nos últimos dois anos, Mottley tornou-se uma grande estrela no cenário mundial quando se trata de mudança climática. Ano passado, ela fez um discurso marcante na na conferência sobre mudanças climáticas das Nações Unidas, na Escócia, argumentando que era responsabilidade moral das nações ricas ajudar os países pobres a se adaptarem às mudanças climáticas. Agora, ela foi a estrela da COP 27, há algumas semanas, no Egito.
Esperava-se da COP 27 um acordo para que as nações ricas colocassem bilhões num fundo que ajudasse países pobres a lidar com os efeitos da mudança climática, já que tais países são seus principais causadores. Mas o que eles ganhariam com isso? Porque a resposta óbvia - a sobrevivência do mundo - não tem sido o suficiente para convencê-los.
Eis que Mottley sugeriu algo inovador: uma reforma de organismos mundiais como o Banco Mundial (criado para fornecer empréstimos a nações no pós-guerra) e o FMI (criado para ajudar a estabilizar economias para que não mais criassem choques no sistema global). Criados no pós-guerra, esses organismos passaram por uma segunda fase, de combate à fome e à miséria. Mottley sugere que se atualizem para uma terceira fase: combater as mudanças climáticas, o problema de nosso tempo (que só reforçam a miséria e a fome).
Num episódio do podcast The Daily, o jornalista David Gelles explica que Banco Mundial e FMI "não estão preparados para lidar com os desafios específicos que os países pobres enfrentam hoje quando se trata de coisas como clima mudança e a devastação repetida que vem dessas secas, inundações, incêndios e tempestades". Gelles fala num ciclo trágico sem fim: a cada furacão ou outra tragédia climática, os países pobres, especialmente as ilhas caribenhas, precisam de bilhões de dólares para se recuperar. Credores privados cobram taxas de juros extorsivas porque esses países muito provavelmente serão atingidos novamente e terão menos chance de honrar as dívidas. Enquanto o Norte Global toma empréstimos entre taxas de juros entre 1% e 4%, o Sul Global consegue a taxas de 12% a 14%.
Esses países recorrem, portanto, ao Banco Mundial e ao FMI. Que até empresta o dinheiro, mas com a promessa de corte de gastos. Sem ter mais de onde cortar gastos, esses países acabam sacrificando escolas, hospitais, policiamento. Países como Barbados vivem nesse ciclo de dívidas e desastres.
“Fomos aqueles cujo sangue, suor e lágrimas financiaram a revolução industrial. Devemos agora enfrentar um risco duplo por ter que pagar o custo como resultado desses gases de efeito estufa da revolução industrial?", questionou Mottley na COP 27.
A proposta de Mia Mottley, chamada “Iniciativa de Bridgetown”, em homenagem à capital de Barbados, propõe que na reforma do FMI e do Banco Central, essas instituições: 1) emprestem muito mais dinheiro do que hoje em dia para que esses países preparem sua infraestrutura nacional em vez de só ficar consertar estragos, 2) que os contratos tenha uma cláusula para renegociar os pagamentos em caso de novo desastre natural antes da quitação da dívida para que possam sair do ciclo de tragédia e débito e 3) que essas instituições sejam fiadoras do setor privado para alavancar muito mais dinheiro para investimento na economia desses países apostando, por exemplo, em energia renovável.
“Estamos no país que construiu pirâmides, sabemos o que é acabar com a escravidão da nossa civilização, sabemos o que é poder encontrar uma vacina dentro de dois anos quando uma pandemia nos atinge, sabemos o que é colocar um homem na lua e agora colocamos o Rover em Marte”, disse Mottley. “Sabemos o que é, mas a simples vontade política necessária não apenas para vir aqui e fazer promessas, mas para cumpri-las e fazer uma diferença real na vida das pessoas que temos a responsabilidade de servir, parece ainda não existir”.
Mia Mottley conseguiu chamar atenção para o seu plano também porque soube unir dados a uma boa narrativa. Em vez de se apresentar como primeira-ministra de uma pequena ilha em desenvolvimento de 300 mil habitantes, ela se apresenta como líder de um países que está na linha de frente dos efeitos catastróficos das mudanças climáticas. A população que habita a região entre o Trópico de Câncer e Capricórnio, a zona climática tropical, é de 3,3 bilhões de pessoas - 40% da população mundial.
Apresentando-se como líder de quase metade da população, um discurso que clama à consciência moral e um plano que usa o sistema bancário regular para pegar empréstimos (e não pedir caridade), Mottley desbloqueou muitas conversas.
A chefe do FMI, Kristalina Georgieva, disse ao The New York Times que estava comprometida. O presidente Emmanuel Macron, da França, disse ainda na COP 27 que estava a bordo. E, no fim da conferência, John Kerry, enviado especial do presidente Biden para o clima, entrou no barco da Bridgetown Initiative: "Precisamos absolutamente de uma reforma do banco de desenvolvimento multilateral. Precisamos fazer isso até a próxima reunião dos bancos, na primavera. E se isso acontecer, teremos algo como US$ 400 ou US$ 500 bilhões que podem ser usados para alavancagem. Isso é coisa real. Isso está começando a ser feito. Portanto, a reforma do Banco Mundial é absolutamente crítica".
Vale muito ficar de olho na Mia Mottley. Além dessa pauta internacional, ela tem feito um bom trabalho em Barbados. Colocou uma lei de imigração super progressista em marcha, abriu missões diplomáticas em Gana, Quênia e Marrocos para transformar a ancestralidade africana do Caribe em política de Estado, e A nunciou planos de legalizar a união entre pessoas do mesmo sexo.
“Um país que foi forjado em sua encarnação moderna no experimento de racismo e discriminação, não pode agora, para quaisquer propósitos, discriminar voluntariamente seus cidadãos, ponto final”, disse ela em uma entrevista para a Vogue britânica. Questionada se não é muita ambição para a primeira-ministra de uma ilha tão pequena, ela respondeu que isso "não parou Rihanna".