O assassinato da vereadora Marielle Franco foi o maior crime político do período democrático brasileiro. Seu corpo silenciado a tiros expôs um país hiper-radicalizado, em que ideais são contrapostas com fuzis.
A revelação recente de que os mandantes da sua morte foram dois notáveis políticos (também notórios milianos) com a anuência do ex-diretor da Polícia Civil revela como assassinos treinados pelo próprio Estado dominaram o Rio de Janeiro - e não só.
Agora sabemos, Marielle virou alvo dos irmãos Chiquinho e Domingos Brazão porque seu grupo político na Câmara de Vereadores se posicionou contra um projeto para regularizar terrenos e construções irregulares que seriam usadas pela milícia para fazer especulação imobiliária e expandir seus negócios. A morte de Marielle foi encomendada como recado a um grupo político.
Já sabíamos que Marielle tinha sido vítima de um crime de ódio por ser mulher, negra, lésbica, de esquerda e vinda da favela. Mas a confirmação de que foi morta também porque defendia o direito à cidade, a preservação ambiental e a função social da terra coloca sua execução no rol da violência fundiária e da apropriação de terras da fundação do Brasil, como escreveu antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. “Luta de classes é luta de terra”, ele diz.
À luz da recente confissão de Ronnie Lessa, o miliciano que apertou o gatilho, e da prisão dos seus mandantes, eu conversei com a única sobrevivente do atentado de 14 de março de 2018, a jornalista Fernanda Chaves para o podcast Rádio Novelo Apresenta.
A Fernanda e eu falamos sobretudo sobre a repetição da memória como arma política. Foi repetindo o que aconteceu aquela noite à exaustão que ela ajudou a criar vontade política de solucionar o caso. Esta entrevista está no segundo ato do episódio, que começa aos 45’40''.
No primeiro ato, a Flora Thomson-DeVeaux também fala de luta por terra quando conta a história de São João Marcos, uma cidade explorada até valer tão pouco que mais valeu inundá-la para servir a uma cidade mais rica. São João Marcos foi destruída por interesses econômicos poderosos, mas que segue de pé — ainda que só como memória política, a arma que nos sobra num país onde a força bruta é política de Estado.
Dá pra ouvir o Rádio Novelo Apresenta em todos os tocadores. Deixo aqui o link para o episódio no Spotify: