Quem paga a conta das mudanças climáticas?
E de quem é a culpa pelo desastre no Rio Grande do Sul?
A revolução industrial dos países ricos foi paga com o sangue, suor e lágrimas dos habitantes do sul global. E, agora, somos nós também que estamos pagando a conta das mudanças climáticas. Pra mim, é obvio que os ricos deveriam estar despejando dinheiro em fundos de combate a essa emergência. Mas eles seguem apenas emprestando dinheiro a altos juros e com a atitude de quem acredita estar fazendo caridade.
Quando atingidos por desastres naturais (potencializados por decisões políticas), países ou regiões sem reservas financeiras precisam recorrer a empréstimos. No caso do FMI e outros organismos internacionais, esses empréstimos vêm com amarras, como a obrigação de que “apertem os cintos” — quer dizer, cortem investimentos, mesmo que seja em educação, saúde e segurança. O que os bancos querem não é uma melhor estratégia econômica, é a garantia de que vai sobrar dinheiro para eles serem pagos.
Isso vira um ciclo de débito de desastre. É só ver o que há tempos acontece nos países caribenhos. Não dá tempo de investir em infraestrutura resiliente e muito menos crescer economicamente antes de terem que enfrentar outro furacão.
Se a dívida moral de quem escravizou, explorou e roubou riquezas não é suficiente para fazê-los investir no combate à emergência climática, há também o argumento capitalista: a população na linha de frente dos efeitos climáticos, aqueles que vivem entre os trópicos de Câncer e Capricórnio, somam 3,3 bilhões de pessoas — 40% da população mundial. Deixá-los à mercê é perder mercado.
Dica de podcast
Quem quiser se aprofundar no assunto, sugiro esse The Daily com a primeira-ministra de Barbados, Mia Mottley, em que o Lula deveria se inspirar para ser um líder do combate às mudanças climáticas.
A tragédia do Rio Grande do Sul é política.
No Foro de Teresina, o repórter de ciência da revista Piauí, Bernardo Esteves, falou muito bem sobre como a catástrofe do Rio Grande do Sul é política, sim.
“A gente tem que correr atrás dos desaparecidos, a gente tem que socorrer os desabrigados, a gente tem que reconstruir essas centenas de cidades devastadas por essa chuva. Mas a gente tem que politizar a questão, sim. Ela é política desde o início”.
Bernardo Esteves
Resumo aqui o que ele diz no podcast:
A emergência climática se manifesta de maneira diferente em cada região. No caso do Rio Grande do Sul, que fica entre o ar quente dos trópicos e as frentes polares vindas da Argentina, é comum a formação de chuvas.
Só que o desmatamento da Amazônia e de outros biomas e a queima de combustíveis fósseis enchem a atmosfera de gases de efeito estufa. Logo, as chuvas formadas na região ficam cada vez mais extremas. A poluição da atmosfera é a primeira decisão política. A segunda é quando governantes deixam as cidades despreparadas para receber essas chuvas.
Num país onde a desigualdade social tem cor, os mais afetados são os pretos. Racismo ambiental, no caso, não é uma escolha do meio ambiente, obviamente. É uma escolha política de quem não acreditou no aviso dos cientistas e de quem não quis investir em infraestrutura resiliente nas regiões mais vulneráveis.
No Foro, o Bernardo Esteves aponta, com toda razão, alguns responsáveis:
O governador:
O governador Eduardo Leite afrouxou as regulações ambientais no Rio Grande do Sul — foram quase 500 normas ambientais alteradas desde o primeiro mandato dele, em 2019. Tais mudanças permitiram a exploração de áreas de preservação permanente, por exemplo.
O prefeito:
O prefeito Sebastião Melo, do MDB, tinha 430 milhões de reais em caixa para investir na prevenção de enchentes em Porto Alegre, mas não gastou um só centavo. Já o sistema anti-enchente falhou por falta de manutenção.
O Congresso:
Diz o Bernardo: “Agora estão lá Rodrigo Pacheco e Arthur Lira consternados, sobrevoando as enchentes e prestando solidariedade ao povo gaúcho. Mas, ano passado, estavam lá passando um projeto de lei a toque de caixa, que acabou com a proteção às terras indígenas. E a gente sabe que as terras indígenas são o jeito mais eficaz que você tem de proteger a floresta no Brasil, são as áreas mais preservadas”.
Leia mais em: Câmara aprova projeto que flexibiliza desmatamento em área equivalente a 1,5 Alemanha e Novo 'pacote da destruição' avança no Congresso
Os presidentes:
Em 2015, o governo Dilma fez um estudo para estimar os efeitos da mudança climática na economia brasileira — e os governos seguintes (Temer e Bolsonaro) não tiveram o menor interesse nisto. Ignorar um problema também é uma decisão política.
E, para jamais esquecer, aqui está o estudo “Nunca mais outra vez” — 4 anos de desmonte ambiental sob Jair Bolsonaro
O agronegócio:
O estudo de 2015 mostrava, por exemplo, que o aquecimento global levaria a maior incidência de chuvas no Rio Grande do Sul, o que poderia inviabilizar a produção de soja na região. Ou seja, o setor que mais tem a perder com a mudança climática é um dos mais negacionistas.
Aqui o episódio do Foro de Teresina na íntegra: