A Phoebe Waller-Bridge, que escreveu Fleabag, minha série favorita, fala que o humor é o caminho mais rápido até o coração de alguém. Por isso, quando escreve cenas dramáticas, ela usa essa técnica de nocaute: primeiro, desarma o espectador fazendo-o rir; depois que ele abaixa a guarda, ela dá o soco.
Fiquei pensando nisso ontem porque os trabalhos mais populares da Fernanda Torres no Brasil são humorísticos na TV aberta — Os Normais, Entre Tapas e Beijos, aqueles quadros hilários escritos pelo Guel Arraes e o Jorge Furtado no Fantástico. Então, quando assistimos Ainda Estou Aqui, é essa mesma atriz, com acesso fácil aos nossos corações usando o riso, que nos leva pra dentro do nosso maior pesadelo.
Eu Ainda Estou Aqui furou a bolha e ganhou o mundo porque (entre outras boas razões) é fácil se projetar naquela família de casa aberta e pai carinhoso — uns porque a tiveram, outros porque desejariam ter tido. A dor de perder ou não ter um pai é universal. A violência também. A tortura no filme não é gráfica — ela está na falta de informação, na falta de empatia, na mentira descarada, na negação do óbvio. Não é preciso ter vivido a ditadura para saber como é ser violentado assim por um governo.
E aí vem a Eunice Paiva com aquela dor horrenda contida num silêncio sacerdotal. Maternidade é sacerdócio. Ela não precisa chorar pra nos fazer chorar. Até porque essa Eunice Paiva é a Fernanda Torres. Chegamos de peito aberto e ela nos deixa no chão.
Ainda Estou Aqui é um filmaço. Ganha o Oscar de Melhor Filme Internacional dias depois do Bolsonaro ser denunciado por tentar um golpe de Estado. Reabriu o debate sobre o perdão a torturadores. Ganhamos.
Teria sido catártico ver a “Vani” recebendo o Oscar de Melhor Atriz. A torcida carnavalesca passava por essa imagem memética também. Mas a Fernanda já ganhou o Brasil. E o mundo ganhou a Fernanda. A vida presta, sim!
(E, Walter, me liga!)
passa meu contato pro walter depois?